Há muito e muito tempo, na maior floresta do mundo, quando minha mãe – em época de reprodução, no mês de agosto, deu à luz e soltou milhares, milhares e milhares de sementes por toda a redondeza. Em um dia de forte ventania, desgrudei do casulo e saí voando, senti o vento e o prazer da liberdade.
A sorte estava lançada, meu destino, não sabia, a natureza divina me conduzia. Minha nave era um pequeno tufo de fibras brancas. Voei e voei por sobre muitos quilômetros de floresta de várzea, passei por cima das mais altas árvores – miratingas, mulateiros, jacareúbas, piranheiras, maçarandubas, jauarís, tarumãs e demais espécies da nossa flora.
Aí, o vento foi diminuindo gradativamente a velocidade, até que parou, de maneira lenta e gradual, comecei a descer, meu pouso foi suave como a brisa da manhã, aterrissei, na margem esquerda do Rio Solimões, bem em frente, a boca do Rio Purús, quase na entrada do Paraná de Anamã.
Ao pousar, o meu veículo de transporte serviu de amortecedor e, aos poucos, foi se misturando ao solo mole, que exalava um cheiro forte de terra molhada, propício para a germinação, bem perto da beira de um pequeno igarapé, que no futuro, serviria para saciar minha sede e ajudar no meu processo de fotossíntese.
Nos primeiros meses de vida, eu era apenas uma vara com raízes fortes, pequenos galhos e folhas. O solo fértil, muita água e luz do sol me fizeram crescer rapidamente. O tempo passou e vi a aproximação de seres humanos – povos originários e, depois, o colonizador branco que usava o local para feitorias.
A descoberta de hevea brasiliensis – a seringueira, nas cabeceiras do Lago de Anamã, aumentou o fluxo de pessoas no lugar, surgiu um porto de lenha, bem próximo de minha morada, colocaram-lhe o nome de Porangaba. Na época, sobrevivi porque minha madeira não era boa para queimar nas caldeiras dos vapores que subiam e desciam o rio, levando gente e mercadoria de aviamento para os seringais do Rio Purús e Rio Juruá.
Presenciei o surgimento de vários barracões ao longo do estreito paraná, que, hoje, já não existem mais – o do Emídio – o ferreiro, do Zezé Leônidas – o português, do Dudu Vieira, o dos Mitôsos – os donos do último barracão foram responsáveis pela introdução do cultivo da juta em Anamã.
Com a chegada dos nordestinos, surgiu a primeira Igreja Católica – a de São Francisco, conta-se que possuía um grande sino e o som de suas badaladas era ouvido bem longe, no horário de meio dia, seis horas da tarde e em dias de celebração, batiam o sino de forma dobrada quando alguém falecia, depois fizeram uma igreja em alvenaria, que permanece até os dias atuais.
Com o advento da indústria madeireira em Manaus, Itacoatiara e Manacapuru e a invenção do compensado, quase fui derrubada, muitas foram as vontades de me passar ferro, como ocorre até hoje. Minhas irmãs foram cortadas em toras e descidas pelo rio, rebocadas em forma de jangada, rumo ao processamento. Então, vieram os esforços de preservação da Floresta Amazônica e, fui, mais uma vez, salva da fúria dos homens…
A pequena Vila de Anamã foi crescendo e, atualmente, moro no meio da cidade. E, agora, não sei dizer se represento uma ameaça aos homens ou se os homens me são uma ameaça. Só sei que sou a Sumaumeira, lendária, histórica e bela, represento a vida, sou a mais antiga e maior árvore da cidade de Anamã.
Texto: Aroldo de Anamã.